segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Livro

Mais uma vez, um texto com alguma idade, mas possivelmente dos primeiros que rascunhei no meu bloco de notas Moleskine. Gostei do que escrevi na altura, mas tratou-se igualmente de uma época em que as escritas por aqui estavam já desactivadas. Está bonito e vale a pena recordar.

Pára. Não fales. Ouve, escuta: este livro irrequieto que escrevi, escrevi-o a pensar, não em mim, mas no teu sorriso, quando to desse, para que nunca te esquecesses de mim e de como te amo de uma maneira que nenhum outro poderia conhecer e reproduzir.
Mesmo quando já for pó e fisicamente me encontrar derretido, a minha alma continuará a roçar a mão esquerda sobre a tua direita, para que possas dar lugar a um só teu Sol que te ilumine o caminho e te sugue de novo dos teus pesadelos quente-medo para a fria mas tolerável realidade da qual já não faço parte, senão em sonhos, porque não vivo.
Se a vida é um sono profundo, eu não o saberei dizer, porque não durmo, sou etéreo. Mas este livro que é teu e é para ti fará com que o teu sorriso desabroche de novo, cantando uma vez mais, em conjunto com o jasmim primaveril, a sinfonia das noites de Verão que antecipam o teu nascimento escuro e outonal.
Serei teu até quando me quiseres teu, mesmo naquela vida em que já não somos o que nos designaram para ser, mas sim aquilo que queremos ser.
Faustosamente declaro o meu amor por ti, sem qualquer pudor ou piedade de palavras simples que todos compreendem e que eu quero que permaneçam no escuro, sob pena de se apropriarem daquilo que é de mim para ti e que só para ti escrevi. Sinto-me maestro desta orquestra de pensamentos e de sentimentos cujos músicos tocam cada um para seu lado, não se entendendo na relação que partilham entre si, mas que imaginam ser separada, sem mútuo acordo possível onde a informação do córtex visual se une ao fluido imaterial que o coração bombeia com cada vez mais força a cada novo compasso que toca, e tudo isto só porque olho para ti, na realidade, ou tudo isto só porque sonho contigo, no sono profundo, em que te vejo ainda mais majestosa do que a saudade física me impõe sentir. Desenho-te sem uma única mecha de contornos esbatidos, recuso-me a dar por terminado um esboço onde não estejas completamente delineada e onde a aguarela do amarelo-verão misturada com a do azul-mar não seja bem visível.
Na minha tela sem fim, não me canso de continuamente te acrescentar mais e mais perfeição, como se Deus fosse, ao criar vida assim tão perfeita como a tua e que me deixa a mim vivo, não em decadência, mas em suprema energia carnal e espiritual, com a qual me sinto uno e um só a dois, porque não estás em sonhos, mas sim essencialmente unida a mim.
Este livro que escrevi para ti, guarda-o, não para que o leias, porque as minhas palavras, ó sofrimento poético, não são dignas de ti, mas sim para que possas recordar o ser angelical que em mim existiu e que um dia te raptou do mundo para que o Paraíso ficasses a conhecer tal como ele é para ti, e não para os comuns mortais, porque a tua vida não é mortal, continua a alimentar-me mesmo sendo o fantasma que em teu redor vagueia.

Novembro de 2010.

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