sábado, 16 de janeiro de 2010

Ensaios

Diderot é um filósofo francês do séc. XVIII, mais concretamente do período do Iluminismo. Teve como contemporâneos personagens não menos importantes do que o próprio, como Rousseau e Voltaire.
Esta obra [Paradoxo Sobre o Actor] leva-nos a uma perspectiva muito mais racional sobre a representação do que qualquer outra. É escrita em formato de diálogo, contando com duas personagens masculinas. Aquela que procura explicar a sua teoria pretende representar o próprio Diderot, que assim enuncia a sua tese.
Para que a discussão entre as duas personagens mencionadas continue viva ao longo do texto, são comparados dois tipos de actor: o sensível e o racional. Diderot despreza o primeiro tipo, pois sabe ser um caminho para a mediocridade. Já o actor que trabalha principalmente sobre a mente tem mais possibilidades de ter sucesso. Passaremos agora à descrição de cada um dos tipos de actor identificados por Diderot.
O actor sensível não sabe fazer a distinção entre si e a personagem. Confunde-se consigo próprio, não é capaz de se deixar a si mesmo para passar a representar uma personagem. É certo que para que as personagens existam são necessários actores, cada um deles um ser humano diferente com diferentes histórias de vida, emoções e experiências já passadas, o que contribui para o enriquecimento da personagem, mas o actor não pode passar para cena as razões concretas que o levaram a experimentar determinadas emoções. É necessário que saiba pegar na forma do sentimento para a aplicar ao conteúdo que tem em mãos, o que, segundo Diderot, não acontece. Muito pelo contrário. O texto é diferente, mas a situação que faz a personagem chorar em cena será a mesma pela qual o actor que lhe dá corpo passou. Este tipo de actor não tem um trabalho consistente, fixo ou inalterável. A sua mediocridade leva-o a representar sempre de maneira diferente, o que, à primeira e inocente vista, seria normal, pois nunca ninguém conseguiu repetir as coisas exactamente como elas são, sejam elas o que forem. Contudo, há um senão. A instabilidade emocional e psicológica leva a um descontrolo psico-físico. O choro é um exemplo bastante concreto que ilustra essa situação, porque se o actor começa a deixar-se levar demasiado, acaba por não se conseguir conter e as suas falas serão imperceptíveis ao ouvido do público, isto se o público ainda estiver a ouvir o que quer que seja.
Se não chora, pois então grita, enfurecido e raivoso. Não só tende a cair no ridículo (diferente de risível), como também se desgasta a si mesmo, nomeadamente as cordas vocais. Andar de um lado para o outro a correr, estafado e sem fôlego a pensar que a situação da peça é uma que aconteceu consigo ou que está a acontecer também não serve de ajuda. O actor empírico não tem a capacidade de se abstrair da situação que supostamente está a representar. Pensa que se passa tudo consigo.
O actor racional, por outro lado, funciona segundo o princípio mais antigo do Teatro: a mimese. O actor exponencial trabalha sobre a imitação, não se entregando a emoções disparatadas. O actor racional sabe que é ele que está em palco no sentido de corpo presente, sabe que são as suas capacidades que estão a ser mostradas, sabe que se lhe der uma branca, como se diz na gíria teatral, a culpa é inteiramente dele e não da personagem, porque esta enunciaria o seu discurso de forma espontânea. Contudo, e apesar de ter tudo isto em mente (e não no coração), o actor está a representar. O termo diz tudo. Se alguém escolhesse uma pessoa para ser seu representante, este falaria pela pessoa que escolheu, agiria segundo os seus princípios. Ora, o actor faz exactamente o mesmo. A personagem que representa está apenas contida no texto, que exibe o seu conteúdo. O actor dá-lhe a forma. Isto significa que tem de ser ele, com a eventual ajuda e direcção do encenador (consoante o método de trabalho deste), a criar o feitio da personagem, os seus comportamentos, as suas características físicas e psicológicas que muitas vezes não vêm escarrapachadas nas didascálias, etc. A sua base é a sua experiência pessoal. Repita-se: a base, e não o recurso completo. O actor imita-se a si mesmo, faz uma mimese de si próprio, tal como faz uma mimese de outras pessoas que poderão servir de exemplo para aquilo que se pretende. É imitando que o actor se torna capaz de produzir um trabalho consistente e mais ou menos repetível, pois está tudo na mente. E ainda que procure fazer o mesmo, não se torna monótono ou cansativo, porque o estudo intenso que imprimiu ao seu trabalho permite-lhe manter o ritmo sem aborrecer aqueles que o vêem e ouvem. O coração não é de se confiar, porque ora sente uma coisa, ora sente outra, isto num espaço de pouquíssimo tempo.
Junho 2009
P.S.: Entretanto, passaram quatro anos... Parabéns a nós!