segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Sopro

   Peguei no meu bloco de notas, uma simples «Moleskine» de capa preta, e comecei a rabiscar algumas linhas ligeiramente desconexas que acabavam por fazer algum sentido na minha mente, tendo em conta a previsão que eu fazia ao agrupá-las e associando-as a outras linhas que pouco tinham ainda de concreto.
   Foi só com o desenhar do lápis sobre as folhas que fui criando algo de visível, que já começava a ter nexo, embora fosse bastante subtil, como é meu característico quando me ponho a rabiscar sem fazer uma ideia racional daquilo que pretendo que saia.
   Isto porque, decidindo e pensando melhor sobre qual seria o ponto de partida mais apropriado, consegui arranjar um começo. Achei que aquilo que levava a mim próprio querer executar um desenho daqueles, sendo que desenho nem sequer fora nunca o meu forte, seria fazer uma coisa diferente do resto, por muito bom que esse resto já tivesse sido.
   De todas as palavras que escolhera para fazer composições anteriores a esta (sobre a qual tenho vindo, justamente, a compor a descrição), atingiu-me de repente uma qualquer inspiração divina de que estas linhas em questão formariam a palavra perfeita, a supra-sumo de todas as outras, sinónima de todos os temas sobre os quais até então escrevera e que o futuro me garantia que continuaria a escrever.
   Não queria acreditar que entrara, ao longo da experiência obtida na criação destes curtos, mas no entanto fortes trechos, na mais óbvia de compreender, na mais simples e no entanto na mais rica e essencial palavra que poderia ter encontrado em todo aquele tempo.
   Assim, para não esborratar as folhas de papel quando as dobrasse ou quando passasse as costas da mão por cima para remover os detritos da grafite, suspendi propositadamente a continuação da elaboração do desenho que me fascinara naqueles poucos minutos e afiei-a o melhor que pude, de modo a deixá-la sem uma superfície acidental que comprometesse a fina espessura de cada linha que, agrupada com a sucedânea e por diante, viria a formar um desenho perfeito, apesar de eu não ser uma pessoa assim tão qualificada em desenho que pudesse testemunhar a perfeição do mesmo, embora atributos e classificações fúteis não interessassem propriamente para o caso, porque nem sempre é preciso arranjar grandes explicações racionais para procurar esclarecer uma coisa que nem é racional de todo. Até porque não são os olhos nem o cérebro, elementos errados do tribunal plenário das sensações, que verdadeiramente são responsáveis por aquilo que percepcionamos, e isto acontece porque são inseparáveis do julgamento e dos juízos de valor. Percepcionar assim o mundo sob a pressão de uma opinião racional e viciada não é saudável.
   No fundo, interessa ver com o coração. Não é necessário que isso seja fisicamente possível, porque não o é, mas... Será relevante? Seguramente não. Ainda bem que conseguimos fantasiar e filtrar a realidade que nos rodeia, senão... Viver sem sonhar não teria metade da graça que realmente tem.
   Apropriadamente afiado o bico do lápis que rolava entre as pontas do meu polegar e do meu indicador direitos, prossegui naquilo que inicialmente era só uma ideia abstracta, como o são todas, mas aquilo já se tornara concreto demais para pôr de parte e para esquecer o seu valor.
   Foi então que suavemente deslizei, harmoniosamente formando curvas em todas as direcções. As linhas extra que tinham ajudado à formação das linhas essenciais, apaguei-as muito delicadamente com um canto da borracha que propositadamente abrira naquela ocasião, para não correr o risco de, como disse antes, injustamente borrar o papel e torná-lo menos apetecível.
   No final, vislumbrei aquilo que conseguira produzir. Levara ainda menos tempo do que as minhas habituais produções levavam, mas nem por isso deixou de ser, porventura, mais interessante.
   Esse desenho, como previra, formara um nome.
   Um nome, tão simples como respirar.
   Um nome.
   O seu nome.
   Reproduzi a sua sonoridade com a voz para dentro, para que não vacilasse, com a emoção que de repente me atingira.
   Era de noite, já tarde.
   Fiquei a saborear cada letra como chocolate quente de diferentes sabores, até enfim adormecer em paz.

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