terça-feira, 29 de setembro de 2015

Há Dias Assim

Há dias assim, que é como quem diz, de merda. Podia ter evitado o vernáculo, mas não fui capaz. Estou demasiado desiludido comigo próprio. Esta noite dormi pouco, muito pouco. Já me deitei tarde, o meu sono teve intermitências, e depois acordei cedo. Não conseguia de todo tentar ficar a dormir mais tempo. Quis ficar bem acordado, com boa cara, por isso bebi o habitual espresso diário e meti-me no duche. Fiz-me cheiroso por completo, queria causar a melhor impressão possível. Não sabia se conseguiria vê-la imediatamente após a minha chegada, por isso levei a minha Moleskine e o tablet, para me distrair no entretanto.
Não me recordava de onde tinha deixado o carro desde domingo, dei uma pequena volta a pé ao quarteirão, até que enfim consegui encontrá-lo. Sendo aquele tipo cheio de sorte de que me gabei sempre, tenho um carro estacionado em segunda fila, justo atrás do meu. Achei, no entanto, que não valia a pena perder energia irritando-me com esta questão, por isso não fiquei a buzinar continuamente para chamar à atenção. Simplesmente apertei o volante duas vezes, muito brevemente, e o chico-esperto, proprietário da viatura, lá acabou por chegar atrás, mas ainda vinha com expressão de incomodado. Temos pena, atrás dos outros não é lugar para estacionar.
Quando enfim segui em frente, senti o presente de aniversário a baloiçar na espaçosa bagageira. Já tem semanas de atraso, mas não havia maneira de entregá-lo no próprio dia. E também não era hoje que o faria, o embrulho é grande e dá nas vistas pelo género de presente que é. Pensei, contudo, que era suave ao toque e não havia de se magoar muito até à entrega, que não sei quando acontecerá.
Não havia trânsito, por isso avancei calmamente até ao cais onde repousa o submarino pintado com uma cor bastante característica. O coração palpitava-me à medida que me movia rumo ao seu interior, passado o portão principal. O intervalo é às 11h00, mas hoje as coisas não estavam ainda a funcionar como deviam. Foi isso que me escapou e o que deitou tudo a perder, claro. Uma sessão qualquer logo de manhã, uma visita cultural pela zona à tarde. Não é que aquele particular concelho seja rico em cultura, mas não quero descriminar.
O que é que acontece, então? Vejo toda e qualquer pessoa, tanto recrutas como veteranos, uns que já conheço há muito tempo, outros que jamais vislumbrei em toda a minha vida, mas a ela... nem pensar. É claro que tenho outro propósito, como seja ir à fonte de conhecimento adquirir uns títulos para o meu ensaio sobre o actor, mas essa parte é perfeitamente secundária. Tal como em Janeiro de 2014, exactamente um mês depois de ter visitado Londres, mas sem neve, apenas uma imensa escuridão às 16h00, devido à latitude. Apaixono-me à primeira vista por uma miúda britânica que vejo no metro. Os jornais gratuitos, distribuídos na rede de transportes, fazem até pouco da situação. Têm uma secção designada Rush Hour Tube Crush, para que quem não foi capaz de falar com a pessoa por quem se interessou possa descrevê-la, descrever-se e perguntar se podem voltar a encontrar-se e tomar um copo. Na altura, tentei de tudo. Aderi a um grupo chamado Meet People in London, no Facebook, descrevendo num post aquela rapariga e dizendo que não estava capaz de esquecê-la. Pedi ajuda a imensa gente, que me sugeriu também que tentasse anunciar gratuitamente em sites de "perdidos e achados", mas isso era demasiado rebuscado. Além do mais, para um romântico incontrolável como eu, não havia nada melhor do que regressar, e o mais depressa possível. Não ando a nadar em dinheiro, é um facto, pelo contrário, estou a investi-lo no Doutoramento, mas senti que devia também investir na minha felicidade pessoal, ao invés de exclusivamente académica.
Assim, justamente, um mês depois regresso ao Reino Unido e fico mais tempo. Em casa desculpo-me dizendo que vou a uma entrevista de trabalho, mas a razão principal não é essa, obviamente. Tenho todos os detalhes perfeitamente memorizados na minha cabeça. Ela entrou na composição em Trafalgar Square, ou Charing Cross, que dá no mesmo, como eu, e saiu em Baker Street, como também eu saí para o transbordo com a Hammersmith & City, sendo que vínhamos ambos na Bakerloo. Tudo isto aconteceu entre as 16h30 e as 17h00. Mas meia hora era uma margem muito curta. O que é que faço? Saio bem vestido, perfumado, dou uma volta pela National Gallery, depois pela Portrait Gallery, enfim, vários sítios onde passar o tempo e aprender alguma coisa. Um pouco antes da margem, desço para a estação. Não tomo logo o comboio, não ando de trás para a frente, mas sento-me no banco da estação, encarando a linha, hipnotizando a mim mesmo tentando focar-me no mais ínfimo pormenor que me permita identificar aquela pessoa. O problema é que, a meio da estação, a composição passava ainda muito rápido antes de parar e abrir as portas. E claro que, à medida que a hora de ponta se aproxima, tudo se torna excessivamente complexo de controlar, são centenas de pessoas de uma só vez. Tem de vir um membro do pessoal, inclusivamente, com o único propósito de falar através de um dispositivo que envia a sua voz para os altifalantes para avisar que o comboio está a chegar ou de partida. Usa uma raquete que levanta dentro do ângulo de visão do maquinista no retrovisor afixado à frente, indicando que toda a gente está empacotada e pronta para seguir viagem.
Num dos últimos dias, mais para o final da semana, inverto a estratégia e vou à hora de abertura do metro para a estação. Nem sou capaz de recuperar o sono. Levo uma folha de papel à frente a dizer "Free Hugs!", é a mais pura verdade, só para disfarçar. A minha busca continua, mas sem sucesso. Tenho de inevitavelmente desistir.
Também hoje desisti, mas existe uma diferença em larga escala. Quanto à miúda do metro, jamais soube o seu nome, onde vivia, se estudava ou trabalhava e onde, e é claro, nunca trocámos uma palavra. Ela não me conhecia de lado nenhum. Eventualmente diria que era louco, senão um creep, mas isso são riscos que se correm. Ninguém me impede de executar uma demanda em busca do amor, mesmo que internacional. Os custos não são nada, comparados com os eventuais resultados. Já o disse, sou um romântico incontrolável, faço o que for preciso, se tenho a certeza do amor que me corre nas veias. Relativamente à minha Bonequinha, sei o seu nome, sei de onde vem, sei o que faz, sei onde estuda. Mas há sempre problemas de comunicação. Não tenho o número de telefone dela, não lho pedi, não posso trocar mensagens consigo, perguntando se posso vê-la, e deixar mensagens no Facebook não me serve de nada, não tem sinal para recebê-las.
Ora, se sou capaz de me meter num avião e ficar hospedado quase uma semana útil num hotel para entrar naquilo a que eles chamam wild goose chase, sou perfeitamente capaz de me meter no carro e conduzir cerca de dez minutos até ao cais, quantos dias forem necessários.
O Outono já aí está, de porta fresca entreaberta, e eu tenho um chá para tomar e aquecer-me.
Já chega de perdermos tempo.

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