quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Canção do Infortúnio

(A propósito de D. Quixote de la Mancha)

Ah, falar sobre o Amor...
É tão somente um enjoo
Comum aos que em alto voo
Sentem um ardente ardor
Provocado pelas damas
Cuja formosura fama
Lhes traz, de grande valor.

Só que p'rós enamorados
Torna-se inevitável,
Pois, que o seu fluido inflamável
Dessa paixão seja ateado,
Assim que pelas miradas
Passam as suas amadas
De gesto mui adornado.

Talvez como que uma bênção,
Privilégio ult'rior
Ou de graça sup'rior,
São só elas que os adensam
E os deixam feitos fogo
Neste mui ingrato jogo
Que eles jogam mas não pensam.

É de por certo pasmar
Como de um curto disparo
Do seu muito longo aro
Consegue em cheio acertar
Nos corações destemidos
Daqueles jovens garridos
Cupido de pele alvar.

Quando este evento acontece,
Podemos ter a certeza
Que das damas a pureza
Quando por fim anoitece
Sonham os jovens manchar,
Sob o reino do luar
Que os corrompe e enlouquece.

Mau fado, o dos rapazes
Que esquecem seus afazeres
E se perdem em dizeres
Que enfim planeiam capazes
De atingir a emoção
De moças de cortesão
Indignas de seus cabazes.

Pois tantas são as histórias
De mancebos infelizes
Que não querem meretrizes,
Mas princesas de alta glória
A quem dedicar poemas
De luminescentes temas
Dominantes da memória.

Elas, com a formosura
De que tanto são prendadas,
E por isso amaldiçoadas,
Com falta de compostura
Ignoram abertamente
Ou deliberadamente
Tentativas de candura.

Como jóias do oceano,
Fala-se-lhes em seus olhos
E seus singulares molhos
De cabelos no mundano
Que em acertado momento
Nos traz seu odor o vento
De personagem humano.

Não fique esquecida a boca
Em que mergulhar queremos
Nem o corpo que seremos
Quando em união mui louca
Nos transformarmos num só,
Até que sejamos pó
De ossos e de carne pouca.

Mas de que vale tão forte,
Grã sentimento nutrir,
Se nunca nos faz sorrir
E provoca grande corte
Ao tão frágil coração
Que logo, já de antemão
Para isto não tem porte?

Lancemo-nos à fogueira,
Pois que outro remédio há?
Andamos de cá p'ra lá,
Perdemos as estribeiras.
Condenados ao destino
E fruto do desatino
Deixámos nossa primeira!

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