sábado, 26 de agosto de 2006

"A Minha Avozinha Tem Cá Uma Paciência!"

Era o que costumava dizer, sempre que me perguntavam de ti! "Ai...a minha avozinha tem cá uma paciência"..dizia eu na minha voz de criança. Com isto eu queria dizer que tu aturavas as minhas brincadeiras de miúdo: brincavas comigo à apanhada, às escondidas e às "pistolas" pela casa, mesmo com toda essa sabedoria em cima de ti, tu lá corrias de vez em quando...
Tu aturavas as minhas pistas de carros que eu construía na sala, aproveitando os traços do tapete! Pegava numas dezenas de carrinhos e espalhava-os pela sala! Ficava tudo "de pantanas", como dizias tantas vezes...Mas mesmo assim, sentavas-te num dos sofás, perto de um candeeiro, e punhas-te a coser enquanto olhavas para mim, com um sorriso nos teus lábios!
Aturavas-me mesmo quando jogávamos às cartas e eu fazia batota! E até me aturavas quando eu fazia a "festa" com as cartas! O que consistia em pegar no baralho e espalhá-las por tudo quanto era sítio! Aí sim, tudo ficava de pantanas!
Conseguias aturar-me mesmo quando tinha acessos de estupidez e, assim do nada, decidia que já não queria ficar mais em tua casa pelos dias combinados e que tinha de voltar logo para minha casa! Mesmo assim, tu acatavas o meu pedido e telefonavas para os meus pais, sempre com um olhar doce para mim.
Ainda me lembro de uma noite, em que eu fiquei doente não me lembro porquê. Eu estava mesmo mal dos intestinos! Não me aguentava de dores, e é de admirar como é que o caminho para a casa de banho ainda não estava esgotado! Mas tu, pegaste em toda a tua sabedoria e, apenas com um pouco de azeite e com movimentos circulares com a tua suave mão na minha barriga; apenas assim, conseguiste acalmar-me e então adormeci, mesmo antes de os meus pais chegarem para me levarem! Assim conseguiste que as dores terríveis dessem lugar a um sono tranquilizador!
Faltas-me tu...falta-me aquela casa pitoresca...aquela varanda onde, em dias de Verão calorentos, eu me punha, juntamente com uma espreguiçadeira, uma televisão e uma ventoínha! Falta-me o chão daquela varanda, que era eu que costumava lavar...quase sempre duas vezes, para ter a certeza que ficava bem limpinho para ti! Falta-me a tua comida...tudo o que fazias era delicioso! Uma autêntica delícia de um chefe francês...qual quê?! Muito melhor que isso! Eu até dizia que devias ter aberto um restaurante! Eu pagaria qualquer quantia para comer o que tu fazias com as tuas mãos! E eu às vezes ajudava!
Principalmente nos rissóis e no puré. Era sempre eu que o fazia; tu cozias as batatas e preparavas-me o "equipamento" todo. E lá ia eu, todo contente, fazer o puré...depois metia numa panela juntamente com leite....depois manteiga...e depois umas quantas pitadas de sal e pimenta, segundo o teu apurado paladar! Os rissóis tinha de ser com a tua ajuda...eu tinha medo de os estragar! Mas lembro-me de um dia que fui eu que os fiz todos! Tu estavas cansada...
Quando passava aqueles dias contigo renovava-me! Ali, tudo o que há de bom em mim vinha ao de cima, multiplicado! Eu fazia questão de te ajudar em tudo com imenso prazer! E era mesmo com prazer!
Na tua companhia, todas as frustações do dia-a-dia esvaneciam no ar e quando voltava para casa sentia-me leve....sentia-me bem.
Por isso é que quando partiste eu fiquei literalmente perdido! Sem rumo! Mais do que isso...sem um porto seguro onde atracar de vez em quando. Perdi aquele lugarzinho onde eu me renovava...perdi aquela pessoa com quem eu me soltava por completo! Com quem eu brincava...cozinhava...a quem eu até tentei ensinar Inglês!
Hoje em dia ainda me sinto algo vazio...já passou algum tempo, mas ele está a demorar a preencher o vazio que deixaste...nunca será completo na sua totalidade...eu sei disso...mas...ainda dói quando toco...
Mas, agora a escrever este texto; juntamente com as lágrimas que estão à beirinha dos meus olhos, ansiosas por saírem; tenho um sorriso nos meus lábios, enquanto recordo todas estas coisas!
Compreendo que...quando o assunto és tu...apenas existem boas recordações! Até quando eu decidi fazer magia com a minha "chucha" e a atirei para trás do móvel apenas para ser encontrada muitos anos depois...até isto recordo com um sorriso de orelha a orelha!
Eu amo-te, e para sempre te vou amar Avó! Espero que te orgulhes de mim em tudo o que eu faça com a minha vida! E acredita que tentarei ser sempre aquele menino que era quando ia a tua casa passar três dias contigo! Tentarei dar sempre o melhor de mim..em tudo e para todos!

"A palavra 'saudade' só existe em português, mas nunca faltam nomes quando o assunto é ausência" e eu tenho muitas saudades tuas "Avó Longe"...Piedade!

7 comentários:

  1. Comoveste-me com esse texto,Ricky.
    Também a mim me fizeste lembrar tempos remotos, que recordo com felicidade.
    A minha avó não partiu, mas afastou-se de mim a partir dos 10 anos, tenho agora 14 e cada vez sinto-me mais longe da pessoa que para mim era perfeita.
    Tinha sempre paciência para mim...mas nao sei porque razão afastou-se...desde que nasceu a segunda neta, achou-me demasiado grande para precisar das conversas dela ou dos afectos...
    Ao menos tu guardarás na tua memória a tua avó como uma pessoa que sempre teve paciência para ti, e isso é bom... Deves imaginar a minha desilusão...sempre que estou com ela tento procurar algo que me fazia renovar, como dizes, mas nunca chego a encontrar a mesma pessoa que me contava coisas e que me fazia sorrir e sonhar.
    As pessoas que partem pesam menos pela ausência do que pelo que entre nós ficou por dizer...eu compreendo-te! Bjs!

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  2. Ps: Esuqeci-me de dizer-te que escreves muitíssimo bem!! Adorei as tuas palavras e a forma como estruturaste este texto, está muito à frente! Parabéns. Conseguiste mostrar densidade ao texto e isso é um privilégio e um dom que não deves desperdiçar. Há bastante tempo que estou para te dizer isto...mas envolves-me a mente com as tuas palavras que só me apetece alimentar o assunto e esqueço-me muitas vezes que estou a ler palavras de um jovem de 16 anos! Parabéns!

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  3. =')
    este texto é realmente intenso..fiquei bue comovida.
    Nas tuas palavras reencontro também a minha infância.
    Neste texto mostrast, e muito bem, o que realmente são os avós para nós! Ao serem "pais duas vezes" ficam sempre radiantes com os netos, qe por vezes não lhes sabem dar o devido valor enquanto pequenos...mas uns anitos depois...apercebemo-nos como são pessoas tão importante para nós! São eles que nos suportam, pois foram eles que sempre estiveram lá para nos amparar! =')

    jinhos pa ti Ricky e parabéns pelo texto «*«*«*«*«

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  4. ...=) Bonito,apenas digo isto...Bonito!

    SAUDADE NAO É SO DOR,TAMBEM É AMOR(*)

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  5. Está muito bonito querido.
    Também sinto muitas saudades dela, da tua Avó Piedade.
    Um abraço apertadinho.
    da tia verdadeira

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  6. olá ricardo! vi o endereço no teu nick e decidi vir ver...não estava à espera de nada assim... o texto está lindo!
    toda a gente tem saudades de alguém...mais tarde ou mais cedo...mas nem toda a gente tem a capacidade de expressar a saudade e o amor de uma forma tão bonita, acho que é por isso que tocaste tanta gente...acho que é por isso que escorrem lágrimas na minha cara...

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  7. olá, desde há bocadinho.
    como já disse "até onde eu li está muito bonito". como já li também o resto, quer dizer que o texto completo está muito bonito. também de ti não seria de esperar outra coisa =P
    realmente uma avó é impossível de substutuir, mesmo que ao contrário das mães haja mais do que uma.
    jocas******

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