quarta-feira, 10 de maio de 2006

"Notas Mentais" - Parte III

Capítulo III – “Stress” Laboral


- Oi, senhora Rita Pires! – diz Ricardo num tom sarcástico.
- Boa tarde Ricky! – saúda-o ela, sempre bem disposta e com um tom de voz radiante.

“Como eu adoro a sua voz!”
- Está tudo bem contigo? – aprofunda ele a conversa.
- Sim…sou casada e feliz…tenho um bom trabalho e bons amigos… - diz ela.

“Noto alguma falsidade nesta frase. Se eu estivesse a escrever isto, empregaria umas quantas reticências; ela não sente o que diz e não diz o que sente…Será?”
- Passa-se alguma coisa? – interessa-se ele.
- …Não…porque se passaria algo? – hesita ela.
- Não sei Rita…por isso pergunto-te…
- Não te preocupes. – diz ela antes de lhe beijar na face despedindo-se dele.

“Ela mente…é-me óbvio! Mas o que se passará então? Será que é alguma coisa no trabalho? Não, a Rita sempre foi cheia de vida, não era apenas “stress” laboral que a ia deitar abaixo. Então se não é no trabalho é no casamento…Será o marido dela infiel? Se ele o for apenas me vem confirmar a sua estupidez…nunca que ele encontrará alguém sequer minimamente parecida com a Rita! Ela é única em todos os aspectos. A meus olhos ela é perfeita…perfeita no meio de uma espécie humana toda ela imperfeita…”

- Rita, espera! – chama-la Ricardo.
- O que foi agora?! – levanta ela o tom de voz.
- Eu sei, por todos os anos que te conheço, que alguma coisa de errado se passa contigo, e parte-me o coração saber que tu não confias em mim o suficiente para desabafares comigo! Tu sabes, desde há muito tempo, que eu estarei sempre ao teu lado. Procura-me para o que tu quiseres…
- Oh Ricardo…Ricky… - esboça ela um sorriso breve – nem tu imaginas a gravidade do que me apoquenta…como fui estúpida… - e ao dizer isto, o sorriso esmorece e transforma-se num choro desesperado.
- Rita…nunca te vi desta maneira…que se passa? O que tens? O que te preocupa? – ele também entra em desespero ao ver o seu amor secreto a esvair-se em lágrimas.

“É agora…Tem de ser agora! Serei eu assim tão cobarde para passar 10 anos a amar uma pessoa e não lhe exprimir o meu sentimento!? Terei eu de recorrer mais uma vez a um bilhetinho?! Quem sou eu?! Eu nem me reconheço mais…Vou acabar isto de uma vez por todas porque senão nunca que conseguirei continuar a viver sabendo que a única pessoa neste mundo que eu amo está infeliz! Não vou aguentar saber que aquela doce menina, que veio falar comigo na primária, não tem metade da felicidade que ela merece! Não me vou conseguir olhar no espelho de manhã ao saber que a rapariga que sempre esteve ao meu lado quando eu mais precisava, chora pelos cantos como se não houvesse um amanhã!
Ela, que foi a única que veio falar comigo, e graças a ela fiquei imediatamente muito mais descontraído! Ela, que sempre me fez sentir bem nos momentos em que isso parecia impossível! Ela, que foi a única que me consolou quando mais um namoro meu não funcionava! Ela, que foi, durante alguns anos, a única pessoa que me passava a cara pela mão, porque todos os outros tinham nojo das borbulhas! Ela, que foi a única que me incentivou a seguir um curso de comunicação social e graças a isso, hoje trabalho numa rádio! Ela, que foi a única que me ofereceu o seu ombro para chorar a morte da minha avó…e ainda hoje o faz…porque eu ainda hoje o faço…
Se eu não faço isto agora nunca mais farei nada na minha vida, porque ela, a minha vida, perderá todo o pouco sentido que tem ou que alguma vez teve…
Mesmo que eu saia daqui pior do que aqui cheguei; mesmo que ela me diga não; para sempre estarei de consciência limpa, pois quando a altura chegou eu tive a coragem de acabar com isto tudo, que já se prolonga por demasiado tempo…por demasiada tinta…”

- Rita…olha para mim. – diz ele, gaguejando – Sabes o que vejo neste momento?
-O quê? – pergunta ela, soluçando.
- Uma menina doce, assustada porque o disfarce da rapariga forte foi desfeito. Uma rapariga linda que faz qualquer um sorrir apenas com o seu sorriso, apenas com os seus cabelos de ouro, apenas com o seu toque de veludo, apenas com a sua voz de mel…Uma mulher que faz qualquer um tremer com a sua silhueta; que faz qualquer um cair a seus pés ao deslumbrarem tamanha beleza, tamanha elegância e suavidade! Tu…tu não és humana, não o podes ser, pois eu, que já vi muita gente, nunca que me tinha deparado com tamanha perfeição…uma perfeição sublime; uma redundância: uma perfeição da mais perfeita que pode existir!

A única resposta que ela consegue dar a este discurso todo é corar e algumas lágrimas que lhe começam a correr pelo rosto. Ele continua sem nunca hesitar; nunca esteve mais determinado, mesmo sem perceber de que tipo são as lágrimas – alegria ou tristeza.

- É assim que eu te vejo, e como me enlouquece quem não te vê desta forma! Nem mesmo um cego pode dizer o contrário disto tudo porque apenas com a audição percebe a tua perfeição pela voz…pelo toque e pelo teu cheiro, porque tudo isso é perfeito em ti! É quando olho para ti que realmente acredito em Deus! Porque só umas mãos divinas conseguiriam fazer algo tão belo…algo tão puro mas ao mesmo tempo sensual…algo tão doce.

Ela cora ainda mais, e agora ele percebe de que tipo são as lágrimas graças ao sorriso que começa a rasgar a face dela.

- E, abreviando, o que eu quero dizer, com este discurso apaixonado, é precisamente o que se pode ler nas entrelinhas e ouvir nos gaguejos…Eu amo-te Rita e percebo agora que desde a primeira vez que te vi, naquela sala primária, que te amo. Já há 20 anos que te amo, mas desde sempre que me tentei enganar e dizer o contrário por pura cobardice. Por puro medo de dizer isto tudo a um anjo! Contigo tudo fica mais claro, mais simples, mais belo. E logo na primária eu me apercebi disso, mas acho que por causa da admiração da descoberta não quis acreditar que assim fosse. Perdoa-me…
- Perdoar-te porquê? – lá responde ela a este discurso dele, depois de conseguir recuperar o fôlego, depois de parar de soluçar.
- Perdoa o meu “timing”. Só agora, que tu estás casada, é que te digo tudo o que já sabia há mais de 15 anos…
- Oh Ricardo…Ricardo! – exclama ela para ele enquanto lhe põe as mãos na cara e se aproxima dele, já a chorar de felicidade.

E depois de tanto tempo, o beijo ocorre. Tudo pára para os dois. Ricardo vê a sua vida a passar-lhe à frente dos olhos e percebe agora todos aqueles momentos que tinham ficado enevoados na sua memória, nos quais Rita lhe tentava mandar sinais sublimes, como tudo o que a mulher faz, a ele.


“Agora descobri o que me faltava; o que me faltava na alma; o que me faltava dentro de mim mesmo logo ao nascer. Entendo tudo de uma outra forma: Todos nós nascemos incompletos, alguns apercebem-se disso e outros não. Eu tive a sorte de me aperceber disso assim que nasci. O nosso objectivo de vida é encontrarmos o “pedaço” de alma que nos falta…o “pedaço” de nós que foi-nos retirado antes de nascermos. Para sobrevivermos por todas as fases piores da vida precisamos de ter um objectivo interior e maior do que todos os outros. Um objectivo tal que nos possa servir de amparo para quando estamos prestes a atingir o fundo mais tenebroso e obscuro possível!
Com este beijo, percebo agora que atingi o meu! Encontrei o pedaço que me faltava, e que, ironicamente, sempre esteve a meu lado.
Obrigado avó! Deves ter tido algo haver com isto, só assim se explica a forma como a Rita e eu permanecemos sempre nas mesmas turmas, sempre vizinhos apesar de ambos nos termos mudado…Como fui cego!
A minha felicidade esteve sempre a meu lado a sorrir para mim!”


Depois deste encontro, Rita acabou por se divorciar. Ele e ela ficaram juntos, casaram-se e tiveram um filho.
Escusado será dizer que viveram felizes…não sei se para sempre mas pelo menos até hoje.
Hoje em dia são ambos uns avós babados e pais orgulhosos do seu filho. O filho deles, também chamado Ricardo, é um escritor de sucesso, que decidiu escrever a bela história do amor verdadeiro entre os seus pais.
Ela e ele passaram a ser um só, e até hoje o são, como que uma música romântica no …fim…

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