quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Saudade

   Não há como negá-lo. Logo que acordo, é em ti que penso. É sublime declarar com recurso a palavras belas que nada mais há neste mundo que me tome de assalto assim que desperto, e a verdade é que, através de meios que não sou capaz de compreender, talvez por serem inexplicáveis logo à partida, é realmente a verdade que tenho em mim que me provoca sem conseguir evitar, ainda que o quisesse, a passar a noite contigo num registo ilógico.
   Posso ter a certeza de muita coisa habitualmente, mas a razão não é resposta para tudo, e a inteligência nem sempre pode guiar-se pela academia. Eu próprio tenho ligações académicas e, ainda assim, não gosto de academia. A designação ilustra toda a situação: são transmitidas noções como se de verdades absolutas se tratassem. Nem mesmo as ciências exactas como a Matemática compreendem uma única maneira de resolver problemas (daqueles de escola, que praticamente nunca acontecem na vida útil), quanto mais o Teatro, que progressivamente vai adoecendo através de constantes inovações apenas espectaculares à elite da elite, não de quem deambula na crosta terrestre, junto do abismo oceânico, mas sim de quem vagueia já no manto, em estado líquido, efervescente, sem qualquer consistência que permita a sua solidificação, de tão visualmente insuportável que se torna, desde que alguém se lembrou de misturar artes plásticas com arte teatral e obliterou a dramaturgia.
   Na era em que vivemos, ninguém desliga o telefone, não existe incontactabi-lidade. É a única maneira que tenho de te ver, mas não há nenhuma que me permita escutar-te, muito menos tocar-te. A realidade virtual entorpece-me os sentidos, confunde-me, vai fazendo de mim Morfeu; quero dizer que me vai consubstanciando com a tua imagem. É estática, mas tão perfeita... bem sei que perfeição é um ideal com que a Humanidade tem vindo a sonhar desde que se conhece, especialmente desde que se revolucionou industrialmente, construindo seres biónicos para colmatar as nossas falhas, senão mesmo incorporando peças electrónicas nos nossos biológicos corpos, aumentando a nossa sensação de sucesso. Mas de que dispositivos é que eu necessito, no fundo? Vislumbrar-te no telefone é apenas acessório, mas dou por mim na insanidade de quase tocar o ecrã, onde vejo o retrato do carinho que se espelha pelo teu rosto.
   A tua imagem ajuda-me a suprir ligeiramente a saudade que sinto arder em mim, saudade de ouvir a tua doce voz, saudade de ver o sorriso dos teus olhos meigos em consonância com o dos teus lábios delicados, saudade de espectar as pontas dos teus cabelos em caracóis ao sabor da dança do vento, saudade, enfim, da tua quintessência.

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